domingo, 2 de fevereiro de 2014

Da política às micropolíticas

 Raíra Barbosa e Yara Viana

No livro Da política às micropolíticas, a autora Kátia Canton trata da arte contemporânea a partir do conceito de micropolíticas, usado com frequência por pensadores contemporâneos para colocar a discussão política em um novo paradigma, adequando-se ao cenário atual. Antes da queda do Muro de Berlin, o mundo parecia dividido em apenas dois polos, capitalismo e socialismo. Com o fim desses contornos políticos claros, o exercício político passou a ser feito de outra maneira. Artistas e pensadores contemporâneos passaram a substituir a noção de política pelas micropolíticas, onde o foco passa a ser as questões do cotidiano, como fome, impunidade, ecologia e outros assuntos ligados à contemporaneidade e que despertam um certo incômodo no fazer artístico. O livro traz a ideia de que a arte contemporânea reflete atitudes sociopolíticas relacionadas com questões atuais, além de expor problemas reais enfrentados pela sociedade.
Rosana Paulino é uma das artistas engajadas na questão das micropolíticas e exploradas pela autora Kátia Canton neste livro. Natural de São Paulo, a produção dela traz à tona principalmente a discussão do negro e, mais ainda, da mulher negra na sociedade. Suas obras são carregadas de criticidade e revolta em relação às condições nas quais essa figura se encontra ainda hoje.










Em uma de suas séries, nomeada “Bastidores”, de 1997, Paulino retrata uma série de fotografias de mulheres negras estampadas em panos de bordado. Na entrevista concedida a Canton, a artista diz que o objetivo dela é apropriar-se de objetos banais, cotidianos e muitas vezes desvalorizados. Na condição de mulher e negra em uma sociedade muitas vezes hostil, ela opta por discutir as questões de gênero e etnia utilizando materiais como tecidos e linhas, ligados quase que exclusivamente ao domínio nas mulheres. 

Nas imagens, é possível apreciar a forma com que a artista carrega a obra de sentido usando matérias-primas simples. Na mesma entrevista, ela explica que as linhas ganham a ideia de costurar novos significados, tornando-se objeto de repressão e violência. Os rostos das mulheres são “costurados” em pontos estratégicos, como a boca, os olhos e a garganta. Tudo é feito para retratar a condição em que a negra se vê e vive na sociedade, com olhos que não podem enxergar, bocas que não podem gritar e gargantas sem voz.
A moldura ainda traz um significado por si só, o de limitar as mulheres àquele único espaço, sem que tenham a liberdade para se colocar perante a sociedade nem de expressar seus sentimentos, emoções, frustrações e desejos.